A publicação do Orçamento do Estado para 2020 é agora uma realidade, mas diria uma realidade “virtual”. O facto de a sua publicação ter ocorrido em pleno cenário de pandemia traz-lhe alguma fragilidade em termos da sua verdadeira utilidade.
Espera-se, assim, para breve, um orçamento retificativo, ou mesmo antes deste, alterações legislativas que reflitam os impactos sociais, económicos e financeiros que a pandemia está e irá continuar a provocar. Será irrealista pensar que o superavit anunciado continuará a ser uma realidade, que o desemprego não irá aumentar, que o consumo interno poderá continuar a sustentar crescimento.
E por toda esta maior incerteza económica há que pensar seriamente na carga fiscal, pois quer as famílias quer as empresas não irão conseguir na sua maioria sobreviver se não existir algum alívio, nomeadamente no que à tesouraria diz respeito.
Efetivamente as medidas imediatas de que os estados membros da OCDE têm lançado mão no sentido de aliviar a pressão sobre a tesouraria não poderão ser eliminadas após o fim do “estado de emergência”, pois no dia seguinte as dificuldades continuarão a existir e será aí também necessário alargar essas medidas a um maior número de empresas e pessoas que entretanto acabarão necessariamente por ser afetadas pelo efeito sistémico desta pandemia. Viveremos assim tempos desafiantes, onde equilíbrios orçamentais terão que ser a menor preocupação, pelo menos no imediato.
Esperamos assim que o real Orçamento para 2020 apoie as empresas e as famílias de forma expressiva, sem a pressão do equilíbrio Orçamental.
Debrucemo-nos, no entanto, sobre as alterações que acabaram por entrar em vigor com a publicação do Orçamento do Estado face à proposta que havíamos já comentado. Curiosamente e apesar de se terem batido recordes em termos de propostas de alteração, a verdade é que foram poucas as propostas que acabaram por ser aprovadas.
No que às empresas diz respeito as principais alterações previstas na proposta de Orçamento do Estado acabaram por não sofrer alterações. Em jeito de resumo, as principais alterações passam por: (i) prorrogação do SIFIDE II para 2025, com a alteração das regras de elegibilidade das contribuições para fundos de investimento destinados a financiar empresas dedicadas à investigação e desenvolvimento; (ii) aumento do valor relevante do DLRR de € 10.000,000, 00 para € 12.000.000,00; (iii) alargamento do regime do patent box aos direitos de autor relativos a programas de computador; (iv) aplicação da taxa de tributação autónoma de 10%, aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros, ligeiras de mercadorias, motos e motociclos, com custo de aquisição até € 27.500 (no passado o montante era de € 25.000); (v) não aplicação da taxa de tributação autónoma agravada em 10 p.p. quando os sujeitos passivos apuram prejuízo fiscal no período de tributação de início de atividade e no seguinte; (vi) a consideração como cobrança duvidosa dos (créditos) que estejam em mora há mais de 12 meses (em vez de 24 meses), para efeitos de recuperação de IVA; (vii) e a isenção de imposto do selo suportado em contratos de gestão centralizada de tesouraria.
Num cenário de utilização da política fiscal como um instrumento de incentivo ao investimento e de alívio sobre a tesouraria de curto prazo das empresas, seria desejável uma redução das taxas de tributação, ao nível das taxas nominais, taxas de derrama estadual, bem como das taxas de tributação autónoma. Seria também importante não esquecer os sectores sujeitos às contribuições especiais e vê-las reduzidas ou mesmo suspensas, pelo menos durante um período. Deverão ainda ser repensados os estímulos fiscais à criação de postos de trabalho sem termo (retomando o incentivo que entretanto foi revogado, ainda que com algumas alterações), bem como todos os incentivos ao investimento, não esquecendo neste orçamento as não PMEs, que têm sido constantemente esquecidas e que não deixarão de ser aquelas que irão conseguir fazer um esforço adicional para manter os postos de trabalho. Ao nível da tesouraria, a dispensa do 2º pagamento por conta nos mesmos termos em que o terceiro pode ser dispensado, um aumento na rapidez aos pedidos de reembolso de IVA e um aumento do período de reporte dos prejuízos fiscais seriam por certo medidas positivas.
Uma especial atenção deverá ser dada ao setor do Turismo, que é o que está a ser mais afetado atualmente e o será por maior período de tempo após o fim do estado de emergência.
Ao nível da tributação das famílias a grande alteração face à proposta é a introdução de uma taxa de 10% aplicável ao rendimento líquido de pensões de fonte estrangeira obtidas por sujeitos passivos inscritos como Residentes Não Habituais, revogando-se a isenção anterior.
Para além do supra referido, manteve-se a atualização dos escalões em 0,3% e a manutenção do incentivo à natalidade. No que ao regime simplificado diz respeito é de salientar a tributação mais agravada das atividades associadas ao alojamento local.
Para as famílias reclama-se uma verdadeira atualização dos escalões corrigindo o efeito da inflação quer do período em curso, quer dos anos transatos em que a correção não foi realizada, um aumento das deduções à coleta de apoio à família, e um diferimento nos prazos de pagamento dos impostos.
Reclama-se ainda o fim do cerco fiscal ao imobiliário, na medida em que a conjugação da crise associada à pandemia com a tributação agravada com este orçamento aos Residentes Não Habituais levará por certo a uma crise bem pior do que a que vivemos em 2010.
Por fim, não deverá ser descurada uma revisão das normas internas no que diz respeito à definição de residência fiscal, conceito de estabelecimento estável, e outros conceitos, no sentido de assegurar que as deslocações forçadas de pessoas a que este período obrigou não ponha em causa o regime fiscal que seria aplicável se este distanciamento não tivesse ocorrido. A não ser assim, teremos ainda mais situações de dupla residência que naturalmente levarão a mais situações de dupla tributação completamente indesejáveis em qualquer cenário, muito menos neste que estamos a viver.
Se é certo que vamos ter que lidar com a contração da economia e consequente aumento da despesa pública (social), com concomitante redução das receitas fiscais, é, portanto, um desafio enorme não enveredar pelo caminho mais fácil que é aumentar a tributação onde ainda possa ser possível.
Rosa Branca Areias,
PwC Tax Lead Partner
“Seria desejável uma redução das taxas de tributação para incentivar o investimento e aliviar a tesouraria de curto prazo das empresas.”