Publicado que foi o Orçamento Suplementar para 2020 (OS2020), as medidas fiscais dele constantes ficam porventura aquém das alterações legislativas que seriam desejáveis, e que fariam face, pelo menos com maior intensidade, aos impactos sociais, económicos e financeiros que o atual cenário de pandemia continua, e continuará a provocar.
De acordo com as projeções do Banco de Portugal divulgadas no Boletim Económico de junho, é expectável durante este ano uma redução do PIB de 9,5% (as projeções em dezembro de 2019 previam um crescimento de 1,7%). Este agravamento deve-se, obviamente, à paralisação da economia durante os últimos meses e trará consigo uma previsível subida da taxa de desemprego para os 10%, o que faz já antecipar que podem ser necessárias medidas fiscais adicionais, para além das já adotadas em sede de orçamento retificativo. Para tal concorre favoravelmente o acordo alcançado a nível comunitário para fazer face à crise económica.
Para já, a nível do IRS e tal como desejável, o OS2020 estabelece a limitação extraordinária, a vigorar em 2020, dos pagamentos por conta a efetuar por sujeitos passivos que aufiram rendimentos da Categoria B (Rendimentos Empresariais e Profissionais). A par desta medida, recorde-se que recentemente, o Secretário de Estado para os Assuntos Fiscais prorrogou para 31 de agosto (o prazo normal seria até 20 de julho) o prazo para efetuar o primeiro pagamento por conta de IRS, alinhando-o com o do IRC, que já havia sido objeto de adiamento. Ficou, no entanto, por concretizar, a atualização dos escalões de IRS (para correção do efeito da inflação, ainda que as projeções para 2021 e 2022 a mantenham baixa), bem como o aumento das deduções à coleta de apoio às famílias.
Ao nível do IRC, e também para as empresas não-PME, destacam-se as seguintes medidas: (i) já apontado como medida desejável, e relativamente aos prejuízos fiscais apurados em 2020 e 2021, o alargamento para 12 anos do prazo de reporte, bem como o alargamento para 80% (atualmente, 70%) do limite à dedução dos prejuízos fiscais gerados em 2020 e 2012 ao lucro tributável de IRC; (ii) igualmente desejável, é agora estendido aos primeiro e segundo pagamentos por conta a regra de dispensa já prevista para o terceiro pagamento por conta. A limitação extraordinária, a vigorar em 2020, aplica-se a 100% do montante dos dois primeiros pagamentos por conta a suportar por PME’s, cooperativas e por sujeitos passivos com atividade económica de alojamento, restauração e similares, sem que tenha de se verificar a redução de faturação prevista para os restantes sujeitos passivos; (iii) criação um Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento II (CFEI II), que prevê a dedução à coleta de IRC de 20% das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, até ao limite de investimento de 5 milhões de euros e efetuadas entre 1 de julho de 2020 e 30 de junho de 2021;
O OS2020 é claramente parco em medidas fiscais para não-PME. Num cenário expectável, e já referido, de uma taxa de desemprego de cerca 10%, seria desejável, e oportuno, prever, pelo menos sob a forma de autorização legislativa, estímulos fiscais à criação de postos de trabalho sem termo, considerando que as não-PME têm suportado o esforço da manutenção do emprego durante a pandemia.
Já para as PME o OS2020 estabelece um conjunto de medidas fiscais que resulta das orientações da OCDE, do FMI e da União Europeia, nomeadamente: (i) um incentivo às fusões de PME’s realizadas em 2020 ao abrigo do regime da neutralidade fiscal, traduzido na não aplicação do limite à dedução dos prejuízos fiscais gerados pela sociedade fundida; (ii) um regime especial de transmissão de prejuízos fiscais, aplicável a adquirentes de empresas consideradas em dificuldade.
A par das medidas concretizadas pelo OS2020, em diploma legal autónomo estão previstas outras medidas de caráter fiscal em benefício das PME, nomeadamente medidas de impulso à tesouraria: (i) a suspensão temporária dos pagamentos por conta e do pagamento especial por conta que poderão gerar confusão com medidas este nível aprovadas ao nível do OS2020; (ii) a devolução antecipada, do montante integral dos pagamentos especiais por conta ainda não deduzidos; (iii) a devolução, no prazo máximo de 15 dias, de retenções na fonte, pagamentos por conta, ou montantes de IVA pagos em excesso.
Ficam por concretizar as desejadas medidas que impulsionariam o investimento e de alívio adicional sobre a tesouraria de curto prazo das empresas, e que passariam pela redução das taxas nominais de tributação, incluindo a Derrama Estadual, bem como das taxas de tributação autónoma. Sobre as taxas de tributação autónoma, aliás, a não aplicação do agravamento a entidades com prejuízos fiscais em 2020, embora constasse do Programa de Estabilização Económica e Social, aprovado por Resolução do Conselho de Ministros, não veio, para já, a vingar.
No setor das contribuições especiais, não só o OS2020 não as reduz ou suspende, como cria, sem prazo de terminar, um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, que visa financiar o esforço acrescido como a Segurança Social. De notar que o OS2020 não inclui quaisquer medidas fiscais aplicáveis ao setor do turismo, nem desagrava a tributação do setor imobiliário, tremendamente afetado pela pandemia.
Não estando previstas, no OS2020, alterações às normas fiscais internas relativas aos conceitos de residência fiscal, estabelecimento estável e outros conceitos, incluindo para mitigação de situações de dupla tributação, é expectável que a curto ou médio prazo se venham a verificar alterações neste sentido, decorrentes das diretrizes da OCDE, bem como do recém-aprovado pacote da Comissão Europeia de medidas fiscais que visam assegurar que a política fiscal da União Europeia apoia a retoma económica da Europa e o seu crescimento a longo prazo.
Face ao previsível agravamento da situação económica e inerente impacto nas contas publicas, será provável que o Governo volte a mexer no Orçamento do Estado. Talvez nessa altura e após a confirmação formal do apoio comunitário – que apenas chegará em 2021 – o Governo se sinta mais confiante para apostar em medidas mais arrojadas e que visem o desagravamento fiscal tão ambicionado por todos e que possa libertar em parte a economia.
Rosa Branca Areias,
PwC Tax Lead Partner
(Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho)
(i) Crédito Fiscal Extraordinário de Investimento II (CFEI II) Os sujeitos passivos de IRC que incorram em despesas de investimento materializadas na aquisição de ativos fixos tangíveis, ativos biológicos não consumíveis e ativos intangíveis, realizadas entre 1 de julho de 2020 e 30 de junho de 2021 (para entidades cujo período de tributação se inicie após 1 de julho, contam-se 12 meses após o início de período de tributação) beneficiem de uma dedução à coleta de IRC, correspondente a 20% das despesas de investimento, cujo montante máximo é limitado a 5 milhões de Euros. A dedução anual está limitada a 70% da coleta. No caso de grupos tributados no âmbito do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS) a dedução é realizada à coleta do Grupo embora com aplicação daquele limite individual por referência à coleta da sociedade do Grupo que realizou os investimentos. Em caso de insuficiência de coleta, o benefício é reportável por 5 anos. Relativamente às mesmas despesas de investimento, o benefício não é cumulável com quaisquer benefícios fiscais da mesma natureza. O sujeito passivo não poderá, desde o início da vigência do regime e por um período mínimo de 3 anos, fazer cessar contratos de trabalho ao abrigo das modalidades de despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho. |
(ii) Incentivo às reestruturações empresariais de PME realizadas em 2020 ao abrigo do regime da neutralidade fiscal Foi introduzido o seguinte regime: a) A não aplicação durante os primeiros três períodos de tributação na esfera da sociedade incorporante do limite de dedução dos prejuízos fiscais das sociedades incorporadas transmitidos no âmbito da operação de fusão, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:
b) Não aplicação de Derrama Estadual nos primeiros três períodos de tributação, pelo mesmo período de 3 anos. c) Em caso de distribuição de lucros antes de decorrido o período de três anos, é adicionado ao cálculo do IRC do período de tributação em que ocorra a distribuição de lucros: o montante correspondente à diferença entre os prejuízos deduzidos e aqueles que teriam sido deduzidos na ausência do presente regime, acrescido em 25 % e, bem assim, se aplicável, o montante de derrama estadual que deixou de ser pago, acrescido em 15 %. |
(i) Prejuízos fiscais gerados em 2020 e 2021 Foram introduzidas as seguintes alterações: a) Aumento do prazo de reporte dos prejuízos fiscais gerados em 2020 e 2021 por grandes empresas para 12 períodos de tributação (atualmente, prazo de reporte de 5 períodos de tributação). Mantém-se prazo de reporte de 12 períodos de tributação para prejuízos fiscais gerados por Pequenas e Médias Empresas (PME); b) Alargamento para 80% (atualmente, 70%) do limite à dedução de prejuízos fiscais quando a diferença resulte de prejuízos fiscais apurados nos períodos de tributação de 2020 e 2021; c) Não consideração dos períodos de tributação de 2020 e 2021 para efeitos de contagem do prazo de reporte dos prejuízos fiscais vigentes no primeiro dia do período de tributação de 2020. |
(ii) Regime especial de transmissão de prejuízos fiscais aplicável a adquirentes de empresas consideradas em dificuldade Foi criado um regime que permite a transmissão de prejuízos fiscais gerados por PME e respetiva dedução na esfera da sociedade adquirente, caso a PME seja adquirida até 31 de dezembro de 2020. Apenas relevam para este efeito PME que, em 2020, tenham passado a ser consideradas “empresas em dificuldades” (comparativamente à situação verificada no período de tributação de 2019). A dedução dos prejuízos fiscais da sociedade adquirida é realizada pela sociedade adquirente na proporção da participação no capital social da sociedade adquirida e que gerou os prejuízos fiscais, até 50% do seu lucro tributável. Esta dedução fica condicionada à verificação de uma série de requisitos, entre os quais:
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(i) Limitação extraordinária de pagamentos por conta (PPC) de 2020 Foi introduzida uma limitação extraordinária de pagamentos por conta (PPC) de 2020 nos seguintes moldes:
A quebra no volume de negócios, o enquadramento nas atividades de alojamento, restauração e similares e, bem assim, o enquadramento como cooperativa micro, pequena ou média empresa, deve ser certificada por contabilista certificado no Portal das Finanças. Caso o sujeito passivo verifique que em consequência da redução total ou parcial do primeiro e segundo PPC pode vir a deixar de ser paga uma importância superior à 20% da que em condições normais, teria sido entregue, pode regularizar o montante em causa até ao último dia do prazo para efetuar o terceiro PPC, sem quaisquer ónus ou encargos, mediante certificação por contabilista certificado no Portal das Finanças. |
(ii) Devolução antecipada de Pagamentos Especiais por Conta não utilizados As entidades classificadas como cooperativas ou como micro, pequenas ou médias empresas, podem solicitar no ano de 2020 o reembolso integral da parte do montante dos pagamentos especiais por conta (PEC) que não foi deduzida até ao ano de 2019 (em termos práticos, não necessidade de aguardar pelo sexto período de tributação seguinte àquele a que os PECS foram pagos para solicitar o reembolso dos PEC não deduzidos). |
Exclusão do acesso a apoios públicos de entidades ligadas a regimes fiscais claramente mais favoráveis
São excluídas dos apoios públicos criados no âmbito das medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença COVID-19:
As entidades com sede ou direção efetiva em países, territórios ou regiões com regime fiscal claramente mais favorável, quando estes constem da lista aprovada pela Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro;
As sociedades que sejam dominadas, nos termos estabelecidos no artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais, por entidades, incluindo estruturas fiduciárias de qualquer natureza, que tenham sede ou direção efetiva em países, territórios ou regiões com regime fiscal claramente mais favorável, quando estes constem da lista aprovada pela Portaria n.º 150/2004, de 13 de fevereiro, ou cujo beneficiário efetivo tenha domicílio naqueles países, territórios ou regiões.
Limitação extraordinária de pagamentos por conta de 2020
Os sujeitos passivos titulares de rendimentos da Categoria B que no ano de 2020 se encontrem obrigados a efetuar pagamentos por conta do imposto devido a final e não procedam ao pagamento do primeiro e segundo pagamentos por conta, podem regularizar o montante total em causa até ao dia 20 de dezembro de 2020 (data limite de pagamento do terceiro pagamento por conta), sem quaisquer ónus ou encargos.
Foi introduzido um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, devido por instituições de crédito (IC) e sucursais em Portugal de IC no estrangeiro.
O adicional de solidariedade sobre o setor bancário incide sobre:
a) O passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios e dos depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo;
b) O valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.
As taxas aplicáveis variam consoante a base de incidência:
Ao valor de passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos (incluindo os elementos do passivo que integram os fundos próprios) aplica-se a taxa de 0,02%;
Ao valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado aplica-se a taxa de 0,00005%.
A liquidação do adicional de solidariedade sobre o setor bancário é efetuada pelo próprio sujeito passivo até ao último dia do mês de junho do ano seguinte ao das contas a que respeita o adicional de solidariedade, devendo ser pago dentro desse prazo.
É ainda estabelecido um regime transitório a vigorar em 2020 e 2021, nos termos do qual:
a) A base de incidência é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021;
b) Na ausência da publicação das contas relativas ao primeiro e segundo semestres de 2020, a base de incidência é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021;
c) A liquidação e pagamento do adicional de solidariedade devido em 2020 e 2021 deverão ser efetuados até ao dia 15 de dezembro de 2020 e 2021, respetivamente.
A reformulação de planos prestacionais ao abrigo do novo regime previsto no Orçamento Suplementar para 2020 não depende da prestação de quaisquer garantias adicionais, mantendo-se as garantias constituídas, as quais serão reduzidas anualmente conforme previsto no Código de Procedimento e Processo Tributário.
O regime excecional introduzido aplica-se às dívidas tributárias respeitantes a factos tributários ocorridos entre 9 de março e 30 de junho de 2020 e às dívidas tributárias e dívidas de contribuições mensais devidas à Segurança Social vencidas no mesmo período.
"Face ao previsível agravamento da situação económica e inerente impacto nas contas públicas, será provável que o Governo volte a mexer no Orçamento do Estado."