Na esfera dos Preços de Transferência, o ditado popular “prevenir é melhor que remediar” nunca fez tanto sentido. Se refletirmos, tanto o custo como o tempo envolvidos em disputas fiscais, além do risco de dupla tributação, podem ser evitados se o Dossier Fiscal de Preços de Transferência e a política de pricing estiverem contemporâneos e corretamente preparados, funcionando como a primeira linha de defesa em caso de uma inspeção fiscal.
Na verdade, as inspeções de Preços de Transferência sempre foram uma questão delicada em assuntos fiscais, mas estão a enfrentar mudanças significativas, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”) atualmente um acesso mais abrangente às informações dos contribuintes do que outrora. De facto, a AT agora analisa regularmente novas fontes públicas de informação, como descritivos de cargos no LinkedIn, bem como e-mails, calendários dos cargos de chefia (com poder de decisão), dados de recursos humanos, documentos legais e financeiros, contratos, entre outros. Tal implica que, na ausência de documentação correta, completa ou atualizada, haja lugar a penalidades fiscais e correções que poderiam ser evitadas.
Na esfera dos Preços de Transferência, o ditado popular “prevenir é melhor que remediar” nunca fez tanto sentido. Se refletirmos, tanto o custo como o tempo envolvidos em disputas fiscais, além do risco de dupla tributação, podem ser evitados se o Dossier Fiscal de Preços de Transferência e a política de pricing estiverem contemporâneos e corretamente preparados, funcionando como a primeira linha de defesa em caso de uma inspeção fiscal.
Sara Maia Graça,Transfer Pricing Senior Consultant, PwC PortugalNas inspeções de Preços de Transferência dos últimos anos, a AT tem vindo a aplicar a abordagem de ajustar à mediana do intervalo. Neste sentido, é importante consultar as Diretrizes da OCDE em matéria de Preços de Transferência (parágrafo 3.57 e seguintes), que referem que, mesmo depois do processo utilizado para selecionar comparáveis, subsistem limitações na informação disponível sobre comparáveis e permanecem alguns defeitos de comparabilidade que podem não ser identificados e/ou quantificados e, portanto, não são ajustados. Nesses casos, se o intervalo incluir um número considerável de observações, as ferramentas estatísticas que tenham em conta a tendência central para estreitar o intervalo (por exemplo, o intervalo interquartil ou outros percentis) poderão ajudar a aumentar a fiabilidade da análise. Se a operação vinculada testada (por exemplo, preço ou margem) estiver dentro do intervalo de plena concorrência, nenhum ajustamento deverá ser feito.
Ao determinar um intervalo que compreende resultados relativamente iguais e de elevada fiabilidade, pode argumentar-se que qualquer ponto do intervalo satisfaz o princípio de plena concorrência. Quando persistirem defeitos de comparabilidade, poderá ser apropriado utilizar medidas de tendência central para determinar este ponto (por exemplo, a mediana, a média ou as médias ponderadas, etc., dependendo das características específicas do conjunto de dados), para minimizar o risco de erro devido a defeitos de comparabilidade remanescentes desconhecidos ou não quantificáveis. Assim, apenas nos casos em que subsiste um defeito de comparabilidade e o contribuinte não consegue demonstrar que é aplicada uma remuneração em condições de plena concorrência, pode ser justificada uma tendência de ajustamento do indicador para a mediana do intervalo.
A postura por parte da AT de corrigir para a mediana ficou oficialmente consagrada na Portaria n.º 268/2021 de 26 de novembro, revisada em 2021, que refere que “qualquer correção positiva, efetuada pela AT, deve, em regra, ter por referência o valor correspondente à mediana do intervalo”. Adicionalmente, e em setembro de 2023, a Comissão Europeia lançou uma proposta de Diretiva de Preços de Transferência com o objetivo único de uniformização de procedimentos a ser incorporada na legislação local de cada Estado Membro que até à data não teve novos desenvolvimentos. Um dos pontos de destaque, e de algum alinhamento com a Portaria n.º 268/2021 de 26 de novembro, é a correção para a mediana, caso o posicionamento da margem/preço não se encontre entre o intervalo interquartil, deixando a ressalva de ser necessário provar que qualquer outro ponto do intervalo determina um preço de plena concorrência tendo em consideração as circunstâncias do caso específico. De facto, a crescente primazia pela mediana advém do grande potencial de correção, isto é, da nossa experiência, nos mais diversos setores, as margens/rentabilidades tendem a situar-se no quartil inferior dos intervalos de Plena Concorrência pelo que, ao ajustar-se para a mediana, a amplitude de correção é muito relevante, traduzindo-se em avultados ajustamentos ao resultado tributável, facto bastante atrativo para as autoridades tributárias.
Nesse sentido, alertamos que, internamente, os grupos façam o exercício de perceber qual o posicionamento da rentabilidade das suas empresas, dos preços/margens e também das taxas de juro intragrupo que praticam, em especial quando operam maioritariamente com empresas do grupo que se encontrem fora de Portugal. Caso se encontrem abaixo da mediana, os sujeitos passivos deverão estar alerta para a possibilidade acrescida de serem efetuadas correções em sede de Preços de Transferência pela AT e, portanto, prepararem-se para justificar o posicionamento distinto.
Resumidamente, é crucial que os contribuintes invistam em documentação robusta e completa para fundamentar os preços intragrupo e as políticas seguidas no seio do grupo empresarial, dada a complexidade e subjetividade envolvida nesta área. A metodologia de análise e a exposição argumentativa que se aplica podem influenciar significativamente a análise por parte da AT, sendo crucial a adesão às melhores práticas e princípios internacionalmente reconhecidos.
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Sara Maia Graça
Transfer Pricing Senior Consultant, PwC Portugal